sexta-feira, 6 de abril de 2012

Eu era vizinho da Verônica


Quando pequeno, sabia logo que a Semana Santa ia chegando: começavam os ensaios da minha vizinha. Toda noite o piano entrava em ação:
O vos omnes qui transitis per viam:
attendite et videte si est dolor sicut dolor meus. 
Oh vós todos que passais pela via:
Vinde e vede se há dor como a minha dor.
Já não me lembro se era em latim, português ou bilíngue, mas não me esqueço da impressão profunda deixada pelo cântico. A procissão era na Sexta-feira à noite e o silêncio era impressionante, apesar da multidão que se espremia nas calçadas. A Verônica vinha toda de preto, com o rosto velado. De tempos em tempos a procissão parava, ela subia em uma banqueta e entoava seu canto plangente e pungente, desenrolando vagarosamente o véu com a Santa Face.

Minha mente infantil não cansava de admirar a metamorfose da simpática vizinha, cujo pacato dia-a-dia tanto contrastava com a personagem em que se transfigurava. Meu avô passava na procissão, com a opa roxa da Irmandade, ladeando o andor do Senhor com a Cruz às costas. Minha avó vinha de preto e de véu, numa longa fila de senhoras levando uma vela acesa nas mãos.

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